“O Brasil não é um país sério”. Eis a frase que se tornou célebre, atribuída ao não menos célebre presidente da França, Charles De Gaulle, há quase meio século. Muita gente não gostou, outros desmentem o fato até hoje, e há controvérsias sobre o motivo da desdenhosa crítica. Duvidam se foi a hilaridade que o estadista francês presenciara no carnaval brasileiro, ou a nossa falta de habilidade diplomática para resolver a demanda internacional que ficou conhecida com “Guerra da Lagosta”. Afinal, a discussão sobre se o crustáceo se movimenta no fundo do mar “nadando ou pulando” pareceu tão jocosa como a alfinetada do presidente.
Celebridades e jocosidades à parte, se De Gaulle presenciasse hoje na nossa cidade uma dessas “carreatas”, não teria a menor cerimônia em proferir novamente sua sincera observação. Principalmente se estivesse hospedado em um hotel da nossa ex-pacata orla marítima e, num domingo pela manhã cedo, acordasse surpreso e atônito com o som dos foguetões anunciando a “carreata”.
Evidente que ele perguntaria imediatamente o que estaria acontecendo? “É uma manifestação política, presidente. Estamos em campanha eleitoral!” – explicar-lhe-iam. “Mas, com esse barulho?” “Sim, é assim mesmo”…
E o presidente desceria para ver de perto como se faz propaganda política em um país que “não é sério”. Intrigado, voltaria a argüir: “Mas, isso é permitido legalmente?” “Sim, presidente, sempre foi.” As leis brasileiras estabelecem limites para o barulho, não permitem que se congestione o trânsito, mas, em época de campanha, todas essas normas são transgredidas pelos próprios políticos. Logo eles, que pretendem legislar e administrar o país, dão esse exemplo…
No Código Penal, perturbar o sossego alheio é contravenção que dá até cadeia. Poluição sonora é crime ambiental nas leis federais estaduais e municipais. Provocar congestionamento no tráfego é vedado pelo Código de Trânsito, mas, em época de eleição todas essas leis podem ser desrespeitadas pela propaganda política. E justamente na hora de mostrar seus perfis e propostas de governo para melhorar a vida da comunidade, os candidatos praticam a ilegalidade e promovem a impunidade.
Curiosamente há leis que disciplinam a propaganda eleitoral que fariam o presidente De Gaulle rir de nós outra vez. Que proíbem a poluição visual em outdoors, painéis e muros nas vias públicas, disciplinam o tamanho dos adesivos em veículos, mas permitem carros de som transitar pelas ruas fazendo barulho. Sem acrescentar nada de útil, nem informação alguma sobre seus projetos, os candidatos se apresentam agredindo simultânea e impunemente várias leis de seu país.
Ah, se De Gaulle visse uma dessas carreatas…

Germano Romero

 

Publicado no jornal “Correio da Paraíba”, em 20 de agosto de 2010.